quinta-feira, 24 de junho de 2010

CONTEMPLAÇÃO NO BANCO III

Vejo-te nas ervas pisadas.
O Jornal, que aí pousa, mente.

Descubro-te ausente nas esquinas
mais povoadas, e vejo-te incorpóreo,
contudo nítido, sobre o mar oceano.

Chamar-te visão seria
malconhecer as visões
de que é cheio o mundo
e vazio.

Quase posso tocar-te, como às coisas diluculares
que se moldam em nós, e a guarda não captura,
e vingam.

Dissolvendo a cortina de palavras,
tua forma abrange a terra e se desata
à maneira do frio, da chuva, do calor e das lagrimas.

Triste é não ter um verso maior que os literários,
é não compor um verso novo, desorbitado,
para envolver tua efígie lunar, ó quiméra
que sobes do chão batido e da relva pobre.


Carlos Drummond de Andrade (Claro Enigma)

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