segunda-feira, 31 de maio de 2010

SENTIDO ERRADO

Tudo o que faço
termina,
como roda
em perfeito descompasso!

Palmilho caminhos
Indecisa!
Num andar quase inútil.
Não dá para chegar mais além.

Desgastada,
vou vagueando no passado
e meio perdida penso:
-Na vida -
segui pelo sentido errado!


Teresa.

domingo, 30 de maio de 2010

SONHO Não sei quem sou.

Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
meu pensamento esquece o pensamento,
minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero, nem tenho, nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Fernando Pessoa.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

NÃO SEI COMO DIZER-TE....

Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
explendida e vasta.

Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado um campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
- eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com os astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
Tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- e então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silencio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que as vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a Primavera inteira aprendo
os trevos, a àgua sobrenatural, o leve e o abstracto
correr do espaço-
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.

Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
as crtianças, a àgua, o deus, o leite, a mãe,
o amor
que te procuram.

Herberto Helder

quinta-feira, 27 de maio de 2010

É tão imenso
o perigo de mergulhar na alma.....

Tão assustadora a descoberta
de sentimentos nela adormecidos.....

Tão desconcertante saber que sou:

-Vulnerável
-Fraca
-Insana (às vezes)
-Impotente perante a adversidade (tantas vezes)

Que me recuso a mergulhar mais nesse mar!!!!.

Teresa

quarta-feira, 26 de maio de 2010

VIAGEM

Aparelhei o barco da ilusão
e reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho e traiçoeiro,
o mar.....

(só nos é concedida
esta vida
que temos;
e é nela que é preciso
procurar
o velho paraíso
que perdemos)

Prestes larguei a vela
e disse adeus ao cais, à paz tolhida
Desmedida,
a revolta imensidão
transforma o dia a dia, a embarcação
numa errante e alada sepultura....

Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
o que importa é partir, não é chegar

Miguel Torga.

terça-feira, 25 de maio de 2010

A PRISÃO DO ORGULHO

Choro metido na masmorra
do meu nome.

Dia após dia,levanto,sem descanso
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro
é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista
o meu ser verdadeiro.


Rabindranath Tagore (O Coração da Primavera)

TACTEIO EM VÃO A CLARIDADE

Cego, tacteio em vão a claridade;
Louco, cuspo no rosto da razão;
E deambulo assim
Dentro de mim
negação a negar a negação

domingo, 23 de maio de 2010

AMOR É BICHO INSTRUÍDO

Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
O amor subiu na arvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que corre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã


Carlos D. Andrade.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

SILENCIO

É sempre tanto o que fica por dizer...
Calo, guardo.

Na boca, aprisionadas,
ficam as ideias, os sentimentos.

Na alma a consumir-me
fica o fogo do silêncio.


Teresa.
Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
Ao principio não te vi: não soube
que ias comigo;
até que as tuas raízes
atravessaram meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo


Pablo Neruda.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

DIME

Dime por favor donde no estás
en qué lugar puedo no ser tu ausencia
donde puedo vivir sin recordarte
y donde recordar, sin que me duéla.

Dime por favor en que vacio,
no está tu sombra llenando los centros;
donde mi soledad es ella misma,
y no el sentir que tú te encuentras legos.

Dime por favor por qué camino,
podré yo caminar, sin ser tú huella;
donde podré correr no por buscarte,
y donde descanzar de mi tristeza.

Dime por favor cuál es la noche,
que no tiene el color de tu mirada;
cuál es el sol, que tiene luz tan solo,
y no la sensacion de que me llamas!

Dime por favor donde hay un mar,
que no sussurre a mis oídos tus palavras.

Dime por favor en qué rincón,
nadie podrá ver mi tristeza;
dime cuál es el hueco de mi almohada,
que no tiene apoyada tu cabeza.

Dime por favor cuál es la noche,
en que vendrás para velar tu sueño;
que no puedo vivir, porque te extraño;
y que no puedo morir, porque te quiero.

Jorge Luis Borges

sábado, 15 de maio de 2010

RETRATO

O meu perfil é duro como o perfil do mundo
Quem adivinha nele a graça da poesia?
Pedra talhada a pico e sofrimento,
é um muro hostil à volta do pomar.

Lá dentro hà frutos, há frescura hà quanto
faz um poema doce e desejado:
Mas quem passa na rua
nem sequer sonha que do outro lado
a paisagem da vida continua.


Miguel Torga

quinta-feira, 13 de maio de 2010

SOY

Soy el que sabe que no es menos vano
que el vano observador que en el espejo
de silencio y cristal sigue el reflejo
o el cuerpo (da lo mismo) del hermano.

Soy, tácitos amigos, el que sabe
que no hay otra venganza que el olvido
ni otro perdón. Un dios ha concedido
al odio humano esta curiosa llave.

Soy el que pese a tan ilustres modos
de errar, no ha descifrado el laberinto
singular y plural, arduo y distinto,

del tiempo, que es uno y es de todos.

Soy el que es nadie, el que no fue una espada
en la guerra. Soy eco, olvido, nada.

Jorge L. Borges.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Le mur de la fenêtre saigne
La nuit ne quitte plus ma chambre
Mes yeux pourraient voir dans le noir
S'ils ne se heurtaient à des ruines

Le seul espace libre est au fond de mon coeur
Est-ce l'espace intime de la mort
ou celui de ma fuite

Une aile retirée blessée l'a parcouru
Par ma faiblesse tout entier il est cerné
Durerai-je prendrai-je l'aube
Je n'ai a perdre qu'un seul jour
Pour ne plus même voir la nuit

La nuit ne s'ouvre que sur moi
Je suis le rivage et la clé
De la vie incertaine.

Paul Éluard (Le Livre Ouvert,I)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

DERNIERS INSTANTS

Bois meurtri bois perdu d'un voyage en hiver
Navire où la neige prend pied
Bois d'asile bois mort où sans espoir je rêve
De la mer aux miroirs crevés

Un grand moment d'eau froide a saisi les noyés
La foule de mon corps en souffre
Je m'affaiblis je me disperse
J'avoue ma vie j'avoue ma mort j'avoue autri.

Paul Éluard (Poésie et Vérité)

domingo, 9 de maio de 2010

HOJE

Hoje, meu coração está apertado.
Não vôo, mal sinto as asas.
Onde ficaram minhas firmes decisões?
Onde está meu uniforme de combate
e a minha força de vencer?

Hoje, meu coração está apertado.
Não danço, mal posso sentir meus pés.
Onde está a felicidade e o sorriso que ela trás?
Onde estão meus vestidos? minhas sapatilhas?
Meu ballet? A minha festa?

Hoje, meu coração está apertado.
Sem rima, sem espaço
Sem destino, entregue ao cansaço
que as feridas deixaram quando lá dentro se alojaram.

Teresa.

sábado, 8 de maio de 2010

RÉEL

Pensée d'aurore opium très fin
Feuillage errant avoine folle
Battue par la brise solaire

Corps décoiffé déshabillé
Dispersé sans inquiétude
Démesuré mais sans orgueil
Brillant d'oubli.

Paul Éluard (Cours Naturel)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

NUDITÉ DE LA VERITÉ

Le désespoir n'a pas d'ailes,
L'amour non plus,
Pas de visage,
Ne parle pas,
Je ne bouge pas,
Je ne les regarde pas,
Je ne leur parle pas

Mais je suis bien aussi vivant que mon amour et que
mon désespoir


Paul Éluard [Mourir de ne pas mourir]
Harmonioso vulto que em mim se dilui

Tu és poema
e és a origem donde ele flui

Intuito de ter. Intuito de amor
não comprendido.

Fica assim amor. Fica assim intuito
Prometido.


Natália Correia ( O livro dos amantes)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

SETE LUAS

Hà noites que são feitas dos meus braços
e um silêncio comum às violetas
e hà sete luas que são sete traços
de sete noites que nunca foram feitas.

Hà noites que levamos à cintura
como um cinto de grandes borboletas
e um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada a baínha de um cometa.

Hà noites que nos deixam para trás
enrolados no nosso desecanto
e cisnes brancos que só são iguais
à mais longinqua onda de seu canto

Hà noites que nos levam para onde
o fantasma de nós fica mais perto:
e é sempre a nossa voz que nos responde
e só o nosso nome estava certo

Natália Correia

terça-feira, 4 de maio de 2010

em meus braços,AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante a falta.


Hoje não a lastimo.

Não hà falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada em meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 2 de maio de 2010

Às vezes em dias de luz perfeita e exacta,
em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
pergunto a mim mesmo devagar
porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas?

Uma flôr acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: Têm cor e forma
e existência apenas.

A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe.
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
perante as coisas,
perante as coisas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ser senão o visível!

Alberto Caeiro.

NÃO, NÃO É CANSAÇO

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
que se me entranha na espécie de pensar.

É um domingo às avessas
do sentimento,
um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...

É eu estar existindo
e também o mundo,
com tudo aquilo que contém,
com tudo o que nele se desdobra
e afinal é a mesma coisa variada em cópias.

Alvaro de Campos.