quinta-feira, 27 de agosto de 2009

PRÍNCIPE

Príncipe
Era de noite quando eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa tu vieste abrir
e não me conheces-te
Era de noite
são mil e umas
as noites em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu batia à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me
pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira
instância do momento de eu surgir
e tu veres-me
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me
como um naufrago sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa
Ah! era de noite
e de súbito tudo era apenas
lábios palpebras intumescências
cobrindo o corpo de flutuantes volteios
de palpitações trémulas adejando o rosto
Beijava os teus olhos por dentro
Beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão sobre o meu pensamento
corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te

São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me

Ana Hatherly (Poemas se sigma e contemporaneos)

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