quinta-feira, 5 de agosto de 2010

PROCURA-SE AMIGO

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração.
Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madru-
gada, de passaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções de brisa. Deve ter
amor, um grande amor por alguém, ou então sentir a falta de não ter esse amor...
Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar
segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão.
Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja
puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de
perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa.
Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo.
Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado
de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das
recordações de infancia.
Precisa-se de um amigo para não se enloquecer, para contar o que se viu de belo e
triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar
de ruas desertas,de poças de àgua e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato
depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas
porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para
não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos
ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência
de que ainda se vive.

Vinicius de Moraes

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