quinta-feira, 14 de outubro de 2010

PROCURO-TE

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um passaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh,a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da àgua entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou musica.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a àgua,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde tambem quero que chegue
o meu canto e a manhã de Maio.

Um passaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que hà diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flôr ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre - PROCURO-TE

Eugénio de Andrade (As Palavras Interditas)

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