segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

NÃO SEI QUEM SOU,QUE ALMA TENHO

Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe
(se é esse outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta
traições de alma a um caracter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me multiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos
que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em nenhuma
e está em todas.
Como a panteísta se sente arvore (?) e até flor,
eu sinto-me varios seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente
como se o meu ser participasse de todos os homens,
incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus, sintetizados num eu postiço.

Fernando Pessoa.

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